No vídeo em que aparece ao lado da esposa, a mensagem é que eles estão juntos de forma sagrada, casados, numa aliança a dois; semiótica pura

Tudo o que eu sei sobre o “bispo de calcinha” é contra a minha vontade. Mas agora que sei, minha vontade é comentaresse caso que já tem tantos memes nas redes sociais quanto o Pernalonga de Batom. Não farei uma abordagem religiosa, nem me cabe julgar a vida particular de um homem adulto. No máximo eu diria que a combinação de calcinha azul e peruca loira não ornou com os sapatos pretos masculinos.
Meu foco no episódio é a comunicação, nossa intenção e comportamento nas redes, a partir do material gravado, enviado e publicado no perfil Goianiamilgraus do instagram. As imagens são claras, a autora usou recursos de zoom, acompanhou os movimentos do personagem em questão e o enquadrou ao lado de um saco de lixo.
Depois do video viralizar, os cidadãos-detetives das redes fizeram o “explana” completo, a exposição total: o nome do bispo (Eduardo Costa), seu emprego como funcionário público, salário e a placa do carro, registrado em nome de sua ex-mulher. Encontraram também outro vídeo semelhante captado por câmeras de segurança.
E veio a resposta. No vídeo-resposta, Eduardo Costa aparece falando em primeiro plano e, sua mulher atrás, em silêncio. Ele começa se colocando como bispo, desejando “a paz do Senhor a todos” e se referindo aos espectadores como irmãos e irmãs. Em seguida apresenta sua esposa como missionária.
Aqui, o primeiro detalhe: enquanto ele se mostra tranquilo, sua mulher parece tensa, de olhos arregalados, quase sem piscar. Segundo detalhe: perceba a forma pouco natural com que ela mantém a mão esquerda, no ombro do marido. A ideia parece ser a de mostrar a aliança. Semiótica pura. A mensagem é que eles estão juntos de forma sagrada, casados, numa aliança a dois.
E aí vem o texto. Ele diz que foi ‘fazer uma investigação pessoal, de uma situação pessoal minha’, com toda essa redundância. A mensagem é que é um problema só dele e de mais ninguém. Eduardo diz que foi procurar um endereço e errou nos trajes, ao vestir um shorts e uma peruca. Repare que ele chama a calcinha de shorts. A escolha da palavra muda completamente a leitura. Um bispo de shorts não causa nenhum abalo na sociedade, mas um bispo de calcinha numa via pública é algo inusitado.
E vem a reviravolta. Eduardo faz uma denúncia. Diz que foi extorquido. Numa ligação anônima, uma pessoa ameaçou publicar o vídeo se ele não pagasse uma determinada quantia. Ele e sua mulher teriam conversado e optado por não pagar a suposta extorsão e publicar a versão deles do fato.
Se houver algum desdobramento legal, policial, não é da minha conta. O que me interessa é observar como estamos vivendo e reagindo a esse mundo vigiado, exposto, onde tudo é registrado e publicado. Hoje, quase todos temos perfis, onde construímos nossa imagem pública. Em geral, queremos ser percebidos como pessoas corretas, interessantes, de boa aparência e felizes.
Para isso, usamos filtros, fazemos pose e mostramos só a parte boa ou perfeita de nossas vidas. Acontece que quando circulamos pelo mundo, são os outros que nos gravam, nos expõem. Ou seja, temos duas personalidades, uma na realidade, outra no digital. Quanto mais diferente uma personalidade for da outra, mais complicada a vida.
A imagem publica de um pastor ou bispo é muito distante da expectativa de um homem de peruca e calcinha andando na rua. Gera uma dissonância cognitiva. A imagem pública de uma pessoa doente ou carente que nos comove ao pedir ajuda financeira, entra em choque se descobrirmos que trata-se de uma golpista que nos engana. Uma artista que vemos sempre arrumada e maquiada nas telas, quando é vista ao vivo de cara limpa, vira notícia.
A lição que fica é quanto mais perto nossa pessoa real for de nossa persona digital, mais fácil de acreditar. Claro que temos nossos segredos e intimidades, mas existir de verdade, em verdade e com verdade, no real, no digital e onde mais for, parece ser o melhor caminho para manter a reputação, a saúde mental e a alegria de viver.