O método contraceptivo para homens é um tabu? Pesquisador e urologista explicam os avanços dos estudos e a conscientização masculina sobre o tema.
O desenvolvimento do anticoncepcional masculino e a opção de venda no mercado estão em estágios avançados. Esse é um momento importante e otimista para a ciência, mas em especial para as mulheres, que culturalmente acabam arcando com o ônus da falta de contraceptivo masculino entre a maioria dos casais, conforme aponta o urologista Bruno Mello R. Santos, professor associado de Urologia do departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG e Urologista da Rede Mater Dei de Saúde.
“Os homens estão mais conscientes sobre as alternativas de contracepção. Quando eles são questionados sobre sua disposição em usar algum método anticoncepcional novo, hormonal ou não, 50% a 85% dizem se dispor a usá-los”, afirma.
O especialista acrescenta outros dados que mostram como a prevenção da gravidez acaba sob maior responsabilidade das mulheres: “No mundo, 16% do encargo de assumir a contracepção recai sobre os homens, seja por uso de preservativo, vasectomia ou coito interrompido, ressaltando a alta taxa de falha deste último método. Na África, essa porcentagem é de 6% e nos Estados Unidos, 29%.”
“Há uma mudança de paradigma na nossa sociedade, a ideia de que a contracepção é algo do casal, não só da mulher. Ela vem carregando esse fardo desde a década de 60, com os primeiros contraceptivos hormonais. Agora é uma preocupação do casal compartilhar as tarefas contraceptivas e os riscos associados”, ressalta o pesquisador Erick José Ramo da Silva, mestre em Ciências Farmacêuticas pela UFPE e professor do departamento de biofísica e farmacologia da Unesp.
“Por que só a mulher vai correr o risco? Ter um investimento do seu tempo para tomar o medicamento? Comprar o medicamento ou buscar no posto de saúde? Essa é uma mudança importante”, aponta ele, lembrando que um método hormonal masculino chegou a ser alvo de estudos clínicos publicados por volta de 2016.
“Os voluntários usavam uma forma injetável de um hormônio que bloqueia a produção de espermatozoide. Esse estudo acabou suspenso por questões de segurança, porém mais de três quartos dos voluntários relataram que poderiam se sentir perfeitamente confortáveis em continuar usando um método semelhante ao que havia sido testado.”
A vasectomia ainda é a principal alternativa de contracepção masculina
“A vasectomia é uma excelente alternativa para a contracepção definitiva”, garante o urologista Bruno Mello, ao citar que o método atinge altas taxas de sucesso. Para verificar se a cirurgia foi bem-sucedida, a realização de um espermograma já é suficiente.
“No entanto, de 6% a 9% dos homens submetidos à vasectomia se arrependerão e procurarão formas alternativas de readquirir a fertilidade. Geralmente são homens que se separam e se unem a parceiras sem filhos que procuram a reversão da vasectomia. Nesse cenário, há duas possibilidades: fertilização assistida, colhendo espermatozoides diretamente do testículo por meio de punções ou pequenas cirurgias ou a reversão cirúrgica da vasectomia, através de uma cirurgia delicada, com auxílio de microscópio.”
A taxa de sucesso, segundo o cirurgião, chega a 94% de recanalização dos deferentes, mas as taxas de gravidez espontânea são menores: “Já que sofrem influência de fatores femininos, e não só do retorno dos espermatozóides no ejaculado. A decisão pela reversão da vasectomia ou pela fertilização assistida deve ser tomada em conjunto com o casal e a equipe médica, e leva em conta a idade da mulher, tempo pós-vasectomia, custos e outros fatores.”
O professor Erick José destaca que a vasectomia existe há mais de 100 anos e explica como acontece o procedimento cirúrgico: “Envolve o corte de um ducto que leva os espermatozoides para fora do organismo durante a ejaculação, o canal deferente. Reconstruir esse canal é possível, mas em alguns casos de cirurgia pode haver dificuldade em restabelecer essa conexão, apesar de ter uma eficácia muito alta.”
Camisinha masculina: alto índice de falhas na prevenção de gravidez
Os especialistas lembram que o preservativo masculino é uma opção como método contraceptivo para homens atualmente disponível no mercado, mas acima de tudo de prevenção de doenças. “É importante ressaltar que, além da contracepção, tem também o objetivo de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis, atualmente muito prevalentes em todo o mundo”, alerta o urologista.
Com relação à prevenção de gravidez, o pesquisador destaca: “O problema do preservativo é um alto índice de falhas no uso, os erros que podem ser cometidos pelas pessoas levando à ruptura ou outro tipo de falha. É aproximadamente 16% de taxa de falha e isso é bem mais alto do que métodos femininos como pílula, o DIU e os demais. É um índice que beira o inaceitável.”
Ele reafirma que é o que se tem no momento e ressalta: “Mas quando falamos de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, ele é extremamente eficaz e recomendável.”
Métodos contraceptivos masculinos em andamento: hormonais e não hormonais
Os únicos métodos contraceptivos masculinos atualmente disponíveis no mercado continuam sendo a vasectomia e o uso de preservativo, afirmam os especialistas. Mas as projeções são promissoras.
“Até hoje, 8 estudos foram conduzidos com emprego de contraceptivos hormonais para homens. Cinco deles utilizaram somente testosterona ou seus análogos e 3 deles utilizaram progestina com testosterona. Mais de 1500 casais completaram a fase de eficácia destes estudos e os métodos se mostraram eficazes e reversíveis na população estudada”, afirma o Dr. Bruno Mello. Considerando que existem diferentes métodos em desenvolvimento, Erick sugere dividir as opções em métodos hormonais e não hormonais.
- Gel de acetato de Segesterona
Há mais de 40 anos já se tem conhecimento do funcionamento de hormônios esteroides, em especial androgênios e progestinas, afirma o professor da Unesp Erick José Ramo da Silva: “As progestinas (também presentes nos contraceptivos femininos) têm o princípio de bloquear a produção de hormônios que controlam a espermatogênese.”
O urologista Bruno Mello R. Santos dá mais detalhes: “O gel é um progestágeno (progestinas) associado à testosterona, com nome comercial de Nestorone ®, que inibe a produção de espermatozóides e promete causar menos efeitos colaterais, além de manter doses fisiológicas de testosterona.”
O gel, segundo o farmacologista, permite uma aplicação: “Os hormônios são absorvidos pela pele e vão promover esse efeito de bloqueio da produção no sistema nervoso central.” Essa fórmula ainda está em fase 2b de estudos, necessitando completar até a fase 3 para as agências reguladoras aprovarem sua comercialização, acrescenta o cirurgião.
- Testosterona via oral
“O uso por via oral, até recentemente, era proibitivo por toxicidade ao fígado, mas modificações na molécula permitiram que o Undecanoato de Testosterona (medicamento) seja aprovado por via oral para reposição em homens com baixa dosagem do hormônio”, introduz o urologista.
Entretanto, o uso como contraceptivo ainda está em estudo: “Necessitaria a ingestão do medicamento duas vezes ao dia, acompanhado de alimentação, o que aparentemente dificulta a logística dos usuários.”
O pesquisador afirma que esses métodos, em fase clínica de desenvolvimento, são os mais avançados e destaca que, dentro dos métodos hormonais, existe uma demora para que se estabeleça a baixa contagem espermática após o início do uso.
“Você inibe toda a produção de espermatozoides. Isso faz com que o homem ejacule e o sêmen tenha uma contagem muito baixa de espermatozóide ou não tenha. Mas esse efeito demora de três a quatro meses, durante esse período o casal tem que usar outros métodos de contracepção”, explica.
Isso acontece porque, diferentemente da mulher, que ao iniciar o uso da pílula já tem a ovulação inibida (considerando que ovula uma vez a cada mês), o homem produz espermatozoides continuamente, cerca de mil por segundo.
“Isso faz com que ele tenha uma reserva pronta para sair no ejaculado. Então, não é só interromper a produção, é necessário aguardar um tempo para que as reservas sejam esgotadas. A reversibilidade também vai demorar de 3 a 4 meses”, esclarece.
- Moléculas de Contracepção Masculina
Essas estratégias em estudo permitem a inibição reversível da fertilidade sem mexer nos níveis de hormônios sexuais. “Tem a vantagem de não gerar os efeitos adversos típicos de manipulação de hormônio esteroide sexual, que são aqueles mesmos que acontecem com os contraceptivos femininos”, explica o pesquisador da Unesp.
“Seria um método de inibição da fertilidade com efeito mais rápido. Se o espermatozoide não nada, ele não vai a lugar nenhum”, explica ele, citando que no laboratório da Unesp são realizados estudos de uma proteína presente no espermatozóide. “Está envolvida na capacidade da sua locomoção e o uso de moléculas que bloqueiam a função dessa proteína, inibindo a motilidade espermática. É necessário um princípio ativo capaz, muito eficiente e potente para inibir a função de milhões de espermatozóides. Esse é o desafio”, aponta.
Esses estudos ainda estão numa fase anterior ao desenvolvimento clínico. “Mas a comunidade científica está bastante animada, porque existe, pela primeira vez, uma perspectiva muito boa da gente ver pelo menos uma ou duas moléculas voltadas para contracepção masculina não hormonal.”
- Risug (Inibição Reversível do Espermatozóide Guiada)
O especialista da Rede Mater Dei explica que essa droga em estudo tem pesquisa sediada na Índia. “O mecanismo seria a obstrução dos ductos deferentes, que são os canais que transportam os espermatozóides do testículo à uretra. A droga trata-se de um co-polímero de estireno e anidrido maleico. A substância deve ser injetada nos ductos deferentes para causar sua obstrução, que duraria de 10 a 13 anos”, detalha ele.
Erick José esclarece que não se tratam de medicamentos e, sim, produtos médicos que se fundamentam em bloquear a saída do espermatozoide: “Seria um paralelo à vasectomia, a diferença é que ao invés de cortar o canal, o médico injeta o produto lá dentro, eles polimerizam e enrijecem. É como se pegasse um cano e entupisse para não passar mais nada.” E acrescenta que esses polímeros são espermicidas, mesmo que um ou mais espermatozoides consigam vencer o bloqueio, eles acabam morrendo.
E se houver o desejo de reverter a obstrução, é possível recorrer a uma outra substância, o bicarbonato de sódio com DMSO (dimetilsulfóxido): “Deve ser injetada localmente para resolução mais precoce da obstrução.”
Embora ainda esteja em pesquisa, algumas inquietações já surgiram, como aponta o cirurgião: “Primeiro, a injeção da droga nos ductos deferentes, além de exigir um urologista, é bastante delicada, demanda anestesia, é dolorosa, pode causar efeitos colaterais locais. Além disso, qualquer trauma no ducto deferente, que tem a parede espessa mas o diâmetro interno muito estreito, pode causar sua obstrução cicatricial definitiva, tornando-se algo parecido com uma vasectomia. Ainda precisa ser melhor demonstrado antes de se indicar aos pacientes.”
O farmacologista afirma que esse é um método que, dentro dos não hormonais, chega recentemente na fase clínica: “Isso é uma ótima notícia. A desvantagem é que não é um procedimento que qualquer um faz, já que necessita de um profissional habilitado e isso poderia limitar o acesso à população geral, em especial às populações mais carentes de serviços médicos.”
Os desafios para o desenvolvimento do contraceptivo masculino
Bruno Mello R. Santos acredita que os maiores desafios são encontrar uma droga de fácil uso: “Preferencialmente oral, que seja eficaz e reversível, sem efeitos colaterais importantes, custo acessível e sem contra-indicações.” Ele afirma que o interesse em investimento parece ser pequeno, dado o pequeno número de drogas em pesquisa. “Embora o mercado sinalize que até 85% dos homens se disporiam a usar uma droga com as características mencionadas”, ressalta.
As questões biológicas são o ponto de partida de Erick José nessa análise. “Como falei, a mulher tem uma ovulação por ciclo, numa situação normal, e qualquer método contraceptivo atua inibindo a ovulação. No caso do homem, a gente vai ter essa produção de milhões de células por minuto e um armazenamento alto. Isso traz uma dificuldade grande.” E acrescenta ainda o acesso de princípios ativos ao testículo: “O testículo tem uma barreira que impede a chegada de compostos externos. É um sistema de defesa para proteger o gameta de ameaças químicas do ambiente. Isso também é um fator importante para a chegada de um fármaco ao testículo.”
E quanto ao financiamento, o cientista afirma que existe para as pesquisas: “Ainda é muito focado nas agências públicas de fomento, aqui no Brasil nós temos o CNPQ, a CAPES, as FAPES, as fundações de apoio às pesquisas estaduais, no caso em São Paulo, a FAPESP, que financia projetos de diversa natureza, dentre eles projetos para o desenvolvimento de contraceptiva masculina.”
Instituições privadas, como no caso da fundação norte-americana Male Contraceptive Initiative, financiam projetos de pesquisa e desenvolvimento de métodos para contracepção masculina não hormonais: “Já a indústria farmacêutica é muito tímida, especialmente a grande indústria. Mas certamente vai ser um parceiro no futuro, na medida em que eles se convencerem da importância de investir nessa área.”
Retomada da intensidade das pesquisas e um cenário otimista
Apesar das mudanças climáticas e do crescimento populacional desordenado, os investimentos no desenvolvimento de métodos de contracepção masculina reversíveis foram mínimos nas últimas décadas, afirma o urologista: “A indústria farmacêutica abandonou diversas pesquisas para o desenvolvimento dessas alternativas.”
Erick José lembra que do lado da ciência, sempre houve foco nessa área de pesquisa, antes mesmo do desenvolvimento dos contraceptivos hormonais femininos: “Cerca de 15 anos antes havia um composto, o WIN 18446, que inibia a produção de espermatozoides via o bloqueio de todo o efeito da vitamina A na espermatogênese. Esse mecanismo foi testado em um grupo nos Estados Unidos e os resultados foram fantásticos, mas quando passou a ser testado na população geral, em voluntários, os problemas surgiram.”
Segundo ele, surgiram efeitos adversos considerados intoleráveis, como vômito, náusea, dor de cabeça. “Isso levou à suspensão de todo o desenvolvimento”, destaca o especialista. “É um exemplo de como há um grau de dificuldade elevado. Depois disso veio o contraceptivo hormonal feminino, que levou a um desvio de investimento. Mas na indústria farmacêutica e dentro das universidades, a pesquisa para a contracepção masculina continuou”, afirma.
“Nos últimos 20 anos, eu poderia dizer, que aconteceu uma retomada da intensidade das pesquisas, e no Brasil também. Isso é extremamente positivo e bota a gente num cenário bastante otimista para o futuro.”